Gente, onde foram parar os marmelos? Não se encontram mais.
Pode ser que os mais novos dos leitores, de 30 anos para baixo, nunca tenham
visto um marmelo; pode ser que algum leitor, em incerto ano, tenha visto essa
dourada fruta por acaso em alguma feira livre, um hortifrúti, uma banca de
raridades do Mercado Central. Era fruta popularíssima, e popular foi por
centenas de anos. Sim, leitor, centenas, trazida da Ásia pelos colonizadores
portugueses no século XVI. O marmeleiro gostou tanto das nossas serras e
quintais que nem era preciso plantá-lo, nascia. Em 1940, diz o IBGE, o Brasil
produzia 32 000 toneladas da fruta, a maior parte nas serras do sul de Minas. E
cadê? Só para falar da popularidade: na primeira metade dos anos de 1900, uma
marchinha de Carnaval fez enorme sucesso dizendo: “Marmelo é fruta gostosa /
que dá na ponta da vara, / mulher que chora por homem / não tem vergonha na
cara”. Poderá o leitor perguntar: que tem a fruta que ver com a mulher? Bom, as
marchinhas eram assim destrambelhadas; ou pode ser que essa insinuasse nas
entrelinhas que a vara é que tinha que ver. Houve época em que era de muito uso
no país a vara de marmelo, corretivo caseiro das crianças. Nossa, como doía!
Falo do marmelo, mas sumiram outras frutas. Cadê o marolo?
Também chamado nona, araticum, cabeça-de-negro. Era comum em décadas passadas,
perfumava janeiros com seu cheiro forte, trazido do cerrado pelos fruteiros do
mercado e ambulantes. Sumiram, ficaram só uns três primos: fruta-do-conde,
atemoia, graviola, que precisam de cultivo e cuidados, não são abusados como o
rústico marolo, que vigora no ermo.
E a manga? Dominam as feiras e supermercados as vistosas e
saborosas filhas de mangueiras importadas da Flórida, como a palmer, a tommy, a
haden, introduzidas aqui há algumas décadas e que desbancaram, literalmente
desbancaram, tiraram das bancas, as nossas centenárias espada, coração-de-boi,
manga-rosa, carlota, carlotinha, bourbon, ubá, coquinho, ouro e tantas mais.
Sumiram porque eram ruins? Eh-eh. Não se tem notícia de manga ruim. Sumiram
porque eram vítimas fáceis de pragas, davam em árvores muito altas, de difícil
acesso e proteção, foram vencidas pela tecnologia genética. Mesmo caso do nosso
mamão de quintal, grande, trocado pelo híbrido chinês, o formosa. Dizem que as
cores verde e rosa da Mangueira vêm da profusão de mangas-rosa no bairro. Ainda
haverá? Nossas mangueiras sumiram dos quintais das casas, os próprios quintais
sumiram, vão sumindo as casas.
Frutas sem valor comercial também sumiram. Alguém dá notícia
do escuro e lustroso jambo? Era popular até no eufemismo que buscava elogiar a
pele das mulheres negras: “morena cor de jambo”. Araçá, nome de uma região da
cidade onde o araçá crescia que nem mato, e que virou cemitério — cadê a fruta?
E sua parentazinha, a gabiroba, goiabinha do mato — cadê? O cambuci, que também
virou nome do bairro, sumiu de lá e dos fruteiros. Já era.
Comecei a falar do marmelo e entrei por veredas. Volto ao
desaparecido, que procuro desde janeiro; o importado costumava vir em junho. Uma
doceira de blog postou na internet: se você souber de marmelos à venda, corra!,
compre todos, que são raridade. Todos, não, por favor, reservem-me alguns, me
avisem. Ah, aquela promessa de delícias enquanto repousavam na fruteira, aquele
gosto ácido adstringente dos pedacinhos roubados da tigela durante o preparo,
aquele cheiro que se levantava da panela na fervura em calda de açúcar, aquele
gosto da compota fresca, da geleia, da marmelada. Bateu larica, ou saudade, uma
coisa assim.
* Retirado de Revista Veja São Paulo - 14.06.2017
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