Panfleto recebido
Gostaria de começar aqui textos que vou divagar sobre
arquitetura. Há pouco tempo me indagaram qual era a diferença de engenheiro
para arquiteto. Tive dificuldade em definir para a pessoa, que pensava que as
duas profissões eram a mesma coisa. Falei que o arquiteto pensa o espaço e o
engenheiro era responsável por calcular a criação deste espaço. Senti que a
pessoa ficou com cara de que esta história não convenceu. Mas na hora tentei em
uma definição, sintetizar, no sentido e significado, as características para
uma resposta pragmática. Depois pensei em como definir melhor a resposta. Então
surgiu a ideia de escrever para que o próprio leitor faça sua síntese sobre o
trabalho do arquiteto.
Estava entrando em uma padaria e recebi um panfleto de venda
de um empreendimento residencial no bairro Vila Madalena em São Paulo. Resolvi
analisar as plantas dos apartamentos como exercício de arquitetura e reflexão
sobre o modo de vida das pessoas. Não tenho a intenção de expor negativamente
os autores do projeto, é apenas uma análise com meu ponto de vista e talvez um
problema de comunicação publicitária.
Não costumo pegar estas propagandas mas não sei porque
aceitei. Tenho dificuldade em aceitar as mudanças neste bairro e quando vejo
propaganda de edifícios brotando no local, evito para não ficar triste pensando
que casas que tinham bastante qualidade residencial, estão sendo substituídas
por empreendimentos como este.
Pelo panfleto não entendi se o prédio tem uso misto
(comercial/residencial) e quais os serviços comuns destinados aos usuários. O
panfleto apresenta duas plantas sendo uma de um apartamento dois dormitórios (uma
suíte) com área de 57m² e outra com um apartamento de 24m².
A análise foi feita olhando para estes desenhos.
As plantas dos tipos de apartamento.
Comecei a olhar e pensar que os imóveis seriam projetados
para pessoas que não tem o hábito de cozinhar e limpar a casa. Posso estar
enganado pois não sei se o prédio abriga uma lavanderia coletiva em sua área comum
aos condôminos. Não há indicação sobre isso.
Perspectivas das áreas comuns
.Mas nos dois tipos de apartamento
não há área de serviço, ou melhor o apartamento de 57m² tem esta área integrada
ao terraço. Também a área para cozinha é muito pequena. No caso do apartamento
de 24m², há apenas espaço para uma geladeira pequena e uma pequena bancada com
uma pia e um cooktop. Não há espaço
para preparo dos alimentos (o que cozinheiros denominam como mise en place termo francês que
significa "pôr em ordem, fazer a disposição").
Continuarei a analisar este apartamento menor, que se
assemelha a uma quitinete. Nele, não há ventilação cruzada, portanto há uma
deficiência na circulação de ar. A ventilação do sanitário é feita por shaft (duto) ou não há ventilação, pois
não há abertura para o lado externo do edifício. Por consequência, não há
também iluminação natural. Como já mencionado não há área de serviço e não há
indicação pela planta de duto de exaustão para o cooktop. Não é feito para cozinhar e não incentiva isto, já que
engorduraria todo o apartamento que na verdade é apenas um dormitório. Já fiz
uma reforma de uma quitinete e sei que não há outro modo de inserir estes
serviços, mas como empreendimento novo e com a falta de espaço e propondo novos
hábitos a cultura local, como a lavanderia coletiva que suponho existir no
prédio, talvez fosse melhor ter um espaço comum para cozinhar também, acho que
isto é “forçar a barra”, mas para a tipologia sugerida talvez fosse a solução.
O terraço é um pouco maior que a metade da área destinada
para dormitório e pelo layout sugerido
parece uma sala de estar, com um móvel com televisão e um pequeno sofá do lado
oposto. Prevejo que a iluminação natural interferirá na qualidade da imagem da
televisão, bem como a luz do sol diminuirá a vida útil da mesma. Sem contar o
conflito do sons externos e o som do televisor. Não dá para entender se há um
fechamento de vidro no terraço, pela configuração parece que sim, mas se o
usuário fechar o vidro e se colocar cortina, interromperá a ventilação e
iluminação natural.
Por último, essas unidades são chamadas de serviços de
moradia o que pela minha ignorância não sei o que significa. Talvez mais
apropriado seria chamar de serviços de dormitório, um local que a pessoa
permanecerá somente para dormir.
Não há no panfleto o valor do imóvel, mas considerando o
preço do m² no bairro, penso que há uma divergência entre custo e benefício.
Imagino também que o valor do condomínio não será baixo (suposição, não consta
essa informação no panfleto). Outra coisa que não entendi é que no desenho do
edifício exposto na capa do panfleto (as fachadas) não consegui localizar a
posição destas unidades.
O outro tipo de apartamento, de 57m², tem dois dormitórios
sendo um deles uma suíte. Parece um apartamento desenvolvido para um casal com
um filho. A suíte tem um espaço adequado ao contrário do outro dormitório que é
pequeno. O sanitário da suíte tem ventilação e iluminação natural (até
evidenciada pelo texto indicativo no desenho) mas o outro sanitário não tem
essa condição, fica na parte interna da construção tendo os mesmos problemas do
sanitário da unidade menor de 24m². A cozinha é pequena, também não há espaço
para preparo dos alimentos e um fato curioso que a área de serviço está
integrada ao terraço, que pelo layout
assemelha-se a um ambiente de estar. Imaginei que há conflito de situações, por
exemplo, ter roupas ou panos de limpeza no varal quando há visitas neste
terraço.
Minha conclusão é de que estas residências têm deficiências
de projeto e que o panfleto não informa corretamente os possíveis compradores.
Pode atender a uma demanda comercial, mas tenho dificuldade em pensar habitação
apenas como rendimento para as construtoras. Além disso, há um aumento de
população que seu entorno não necessariamente comporta.
Quem irá comprar estes tipos de imóveis nem sempre terá essa
visão para perceber tais questões. Pode ser que o que foi considerado não
importa ao comprador também. Mas a percepção do arquiteto pode ajudar a
aumentar a visão crítica sobre o espaço e melhor organizá-lo para o que for destinar
seu uso.
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